Museu da Inconfidência

 

No coração das montanhas de Minas Gerais, em uma cidade onde o tempo parece ter parado para preservar sua história, encontra-se o Museu da Inconfidência. Localizado em Ouro Preto, antiga Vila Rica, o museu é um marco da rica trajetória do Brasil colonial e sua luta pela independência.

Memória da Inconfidência

Na década de 1780 Minas Gerais, com tendência exportadora definida, reunia características distintas de outras Capitanias e via-se constrangida pela dependência colonial imposta pela Metrópole. A mineração possibilitara o surgimento de diferentes grupos na sociedade: artesãos, comerciantes, contratadores, agricultores, mineradores, homens livres ansiosos por abrirem seus próprios caminhos, lutarem pela autossuficiência local e definirem soluções nos campos: econômico, político e artístico. Excessiva carga tributária pesava sobre a população da região mineradora, quando o ouro já se tornava escasso. Pressões de várias formas geravam um clima de insatisfação.

Em 1788, passaram a se reunir militares, eclesiásticos e intelectuais, projetando um movimento que deveria libertar a Colônia do julgo de Portugal. A derrama, imposto que o povo seria forçado a cobrir caso as 100 arrobas anuais devidas à Coroa não fossem atingidas, era esperada para fevereiro de 1789. Isso representaria muito para a rebelião, uma vez que faria emergir o latente descontentamento popular.

A suspensão da derrama pelo governador, Visconde de Barbacena, não foi acompanhada pela suspensão da dívida dos abastados contratantes para com a Junta da Fazenda. Joaquim Silvério dos Reis, grande devedor da Real Fazenda, viu na denúncia da conspiração a oportunidade de ser perdoado do seu débito. A delação verbal ocorreu em meados de março de 1789 e a escrita, em abril. Ao tomar conhecimento dela no Rio de Janeiro, o Vice-Rei resolveu promover uma investigação oficial e, em 7 de maio, foi aberta devassa para a apuração dos fatos.

A conclusão do processo se deu em 1792 e a execução de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado o maior responsável pela conspiração, se deu no dia 21 de abril daquele ano. Outros inconfidentes, tidos como cabeças do movimento, foram degredados para a África e os réus eclesiásticos permaneceram reclusos por quatro anos na Fortaleza de São Julião, seguindo depois para conventos portugueses.

 

A Casa de Câmara e Cadeia

Edificada a partir de 1º de junho de 1785, obedecendo a planta do governador da Capitania de Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes, a Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica constitui um dos mais notáveis exemplares da arquitetura civil colonial. Sua monumentalidade e apurado acabamento, vieram contrastar com o panorama social de uma época já de franca retração, fruto do declínio da atividade extrativa do ouro e da intranquilidade política e social estabelecida, quase às vésperas da Inconfidência Mineira. Os recursos para a obra vieram de loteria criada, mediante licença régia, exclusivamente para esse fim. Para realizar os serviços foi estabelecida uma fábrica de cal nas imediações da cidade, utilizando-se a mão-de-obra de prisioneiros – negros e “vadios” submetidos a trabalho forçado, o que gerou o documento mais irrefutável dos desmandos de Cunha Menezes, as “Cartas Chilenas”, poema de sátira política contra o governo da capitania de Minas Gerais, cujo autor, oculto todos esses anos sob o pseudônimo de Critilo, se admite ser hoje Tomás Antônio Gonzaga.

Há muito tempo já se planejava em Vila Rica a construção de uma câmara e cadeia, de pedra e cal, para substituir a antiga prisão de pau-a-pique, existindo, inclusive, um projeto aprovado, de autoria do engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim. Apesar do rápido impulso inicial conferido pelo seu maior incentivador e administrador Luís da Cunha Menezes, a obra se concluiu, entretanto, somente em 1855. Parte da cadeia começou a funcionar desde os primeiros tempos, possivelmente ainda no seu governo, tendo a Câmara ali se instalado em 1836.

O projeto do governador sofreu algumas alterações, verificando-se a substituição na fachada da varanda de balaústres de pedras pela de ferro, como também a estrutura em curvas da torre pela de linhas retas e a da escada em um só lanço pela de dois com patamar.

O frontispício, provavelmente inspirado no do Capitólio de Roma, apresenta características inovadoras como a adoção de três colunas, em vez de quatro, para os dois vãos da porta, em contraposição ao rigor da composição neoclássica. O especialista Orlandino Seitas Fernandes assinalou influência estrangeira nos arranques das escadarias externas, que, segundo ele, lembram os “de Gabriel no Petit Trianon de Versalhes”. Após a Independência, as armas do Reino existentes no frontão foram substituídas pelas do Império, e as de Bernardo José de Lourena, décimo primeiro governador de Minas do período de 1797 a 1803, passaram a figurar na varanda. Nos quatro cantos da platibanda se elevam as figuras de pedra-sabão representando as virtudes cardeais- Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza-, cuja autoria é atribuída ao português Antônio José da Silva Guimarães, que as teria entalhado na fazenda do Manso, ao pé do Itacolomi. O relógio que se encontra atualmente na torre foi adquirido pelo senador Rocha Lagoa para a Igreja São Francisco de Paula, da mesma cidade, não se tratando, portanto, do primitivo relógio da cadeia velha demolida de autoria de Manuel de A. Fonseca Neto.

O chafariz da fachada é o antigo da ponte de Ouro Preto, tendo sido inaugurado no seu novo destino, a 2 de dezembro de 1846, como indica a placa acima existente. A construção da Casa de Câmara e Cadeia determinou a duplicação da atual praça Tiradentes, não só com a demolição da primitiva cadeia, mas ainda de diversas casas que comprometiam a visibilidade do edifício mais importante da capital.

A reconstrução de todo o largo, executada em 1797, por José Ribeiro Carvalhais, veio garantir ao monumento um espaço condizente com a sua monumentalidade, uma vez que, juntamente com o prédio do Palácio dos Governadores, compunha o centro cívico de maior poder de decisão da Colônia na época. Em 1863, a Câmara se transferiu para outro imóvel na praça Tiradentes, diante da necessidade de se aumentar o número de celas da prisão, ganhando dimensão a temível Cadeia de Ouro Preto.

Após a implantação do sistema penitenciário, o então governador João Pinheiro promoveu, em 1907, adaptações no prédio para transformar-se em penitenciária estadual. Entre estas, incluíram-se a colocação de assoalhos de madeira no piso térreo como ainda a inserção de um avarandado quadrangular, para o qual se abriam, em torno, as salas que têm vista para o pátio. Com a construção da Penitenciária Agrícola de Neves, nas imediações de Belo Horizonte, a antiga Casa de Câmara e Cadeia foi doada à União, através do Decreto-lei datado de 2 de dezembro de 1938. Em 20 de dezembro do mesmo ano, foi criado o Museu da Inconfidência, sob a coordenadoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com a finalidade de colecionar objetos de várias naturezas, relacionados com os fatos históricos da Inconfidência Mineira e com seus protagonistas, bem como as obras de arte ou de valor histórico que se constituem documentos expressivos da formação de Minas Gerais.

Em 1940 tiveram início as obras de restauração e adaptação do prédio, empreendidas pelo IPHAN, que compreenderam na renovação integral dos pisos, telhado, sistemas elétrico e hidráulico. Bem mais tarde se daria a expansão de sua área física, com a incorporação de quatro anexos, para atender aos diversos setores técnicos criados.

O Museu foi inaugurado a 11 de agosto de 1944, data do bicentenário do nascimento do poeta inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, sob a direção do historiador cônego Raimundo Trindade. Em 1975 se tornou cabeça dos Grupos de Museus e Casas Históricas de Minas Gerais. Atualmente, se consolida na condição de Museu Nacional, atendendo a um público cada vez mais numeroso, desenvolvendo atividades que o credencia como um centro gerador de cultura.

 

Acervo Museológico

Com grande quantidade de peças artísticas e históricas, com destaque para a estatuária, as pinturas, a ourivesaria, o mobiliário, a iconografia da paisagem urbana em fotografias, desenhos e gravuras, e os objetos de uso doméstico e outros ligados à escravidão.

Dentre as esculturas são notáveis: um andor com estátua em madeira policroma da Imaculada Conceição atribuído a Francisco Xavier de Brito; uma Nossa Senhora da Conceição minuciosamente entalhada em calcita e decorada com conchas; um oratório com mecanismo móvel mostrando o Menino Jesus deitado e cercado de anjos; várias figuras de presépio atribuídas ao Aleijadinho; um grande São Jorge processional também atribuído ao Aleijadinho; um oratório com várias figuras em pedra-sabão em cenas da Crucificação e da Natividade; um Cristo flagelado de grande expressividade, um belo anjo tocheiro, e grande número de ex-votos, crucifixos, retábulos e estátuas de anjos e santos diversos.

Na sala da Inconfidência há um relógio de Tiradentes, marca Elliot, um volume da condenação de Tiradentes, uma alfaia e um dos conjurados, lápides de Maria Dorotéia Joaquina de Seixas e de Barbara Heliodora Guilhermina da Silveira.

A ourivesaria é representada por cruzes processionais, ostensórios, cálices de comunhão, navetas, turíbulos, castiçais e coroas em prata e ouro. O mobiliário tem belos exemplares de mesas, arcazes, oratórios, cofres, cômodas, camas e cadeiras dos séculos XVII ao século XIX, como um trono episcopal do bispo de Vila Rica, atribuído ao Aleijadinho, uma cama de dossel estilo Dona Maria I, uma cama eclesiástica que teria pertencido a Santa Rita Durão, cadeirões com encosto de couro lavrado da antiga Câmara de Vila Rica, e uma cadeirinha de arruar com painéis mitológicos pintados.

A pintura tem significativa representação com diversos painéis, bandeiras processionais, ex-votos e telas com retratos de santos e cenas sagradas, incluindo peças de Mestre Ataíde, João Nepomuceno Correia e Castro e vários autores anônimos da região de Ouro Preto. Merecem nota ainda os retratos oficiais de Dom Pedro III, Dona Maria I, Dom João VI infante, Dona Mariana Vitória e Dom Pedro I. Por fim, são preservados no museu uma diversidade de objetos de uso cotidiano como vasos, bacias, gomis, tinteiros, porcelanas, relógios e equipamentos de montaria decorados, e objetos usados pelos escravos.

Panteão dos Inconfidentes                                                                                     

Um espaço especial dentro da antiga Casa da Câmara para abrigar os restos mortais dos inconfidentes. Nem todos os conspiradores ali repousam, pois alguns não puderam ter suas tumbas localizadas, e outros têm sua identificação duvidosa até os dias de hoje, a despeito dos intensos esforços de estudiosos nesse sentido.

A inauguração do Panteão, para onde são transferidos os despojos dos inconfidentes mortos no exílio da África e repatriados em dezembro de 1936, por iniciativa do governo de Getúlio Vargas, aconteceu no dia 21 de abril de 1942, no transcurso do 150º aniversário da sentença condenatória dos inconfidentes.

Estão no Panteão os restos de treze dos vinte e quatro sentenciados pela coroa portuguesa. Uma lápide vazia é o memento dos ausentes, entre os quais está Tiradentes, cujo corpo foi esquartejado e exposto em opróbrio.

 

 

Arquivo Judiciário

Instalado no Anexo III do museu, a Casa do Pilar, preserva as peças judiciais levadas durante o período colonial de Ouro Preto. Dentre elas é particularmente importante o volume 7 dos Autos da Devassa mineira, a que foram acrescidos os traslados da Devassa carioca, os processos de réus eclesiásticos, os processos de réus comuns da justiça local e outros documentos.

Em 1995 o conjunto era composto por 5.180 inventários, 1.660 testamentos, 14.350 ações cíveis, 1.570 ações criminais e 388 códices vários, formando um nítido painel da vida judicial e mesmo dos costumes sociais da época da colônia.

 

Arquivo Histórico

Esta seção guarda grande número de documentos relativos à história da cidade e da região, como um relatório de despesas autografado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; uma provisão assinada por Tomás Antônio Gonzaga em favor de Alexandre Luiz de Mello; atestados passados por Alvarenga Peixoto e Francisco de Paula Freire de Andrade, recibos assinados pelo Aleijadinho, e um diploma de José Álvares Maciel.

Arquivo Musical

Oriundo da grande coleção de partituras coloniais reunidas pelo musicólogo Curt Lange na década de 1940, também guardado na Casa do Pilar. Este material teve, depois de penosamente redescoberto pelo alemão, uma trajetória digna de um filme de aventuras, sendo foco de intrigas políticas, difamação e mesmo durante algum tempo esteve depositado no Instituto Interamericano de Musicologia, em Montevidéu, para onde Lange o enviara temendo que o esforço de suas pesquisas, que hoje são consideradas fundamentais para a história da música brasileira, voltasse a se perder numa época em que a música colonial do Brasil era objeto de descaso.

Após longas negociações esta coleção inestimável foi adquirida pelo Museu da Inconfidência, tornando-se uma das referências mais importantes para o estudo da atividade musical nas Minas Gerais durante a colônia, com itens também de outras procedências e do período imperial. Há partituras autografadas e cópias de composições de Manoel Dias de Oliveira, Lobo de Mesquita, José Meirelles, Carlos Gomes, José Maurício Nunes Garcia e Jesuíno do Monte Carmelo, dentre muitos outros.

 

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